É bastante comum na minha função ouvir esta pergunta. Com frequência, as pessoas assim que tomam conhecimento de que há um pastor por perto nos indagam sobre o tema. Na grande maioria das vezes essas indagações são sinceras, e em face disso não se pode simplesmente responder. É preciso dar uma resposta que satisfaça. Pensando nos leitores do nosso blog, decidi postar este artigo, a fim de alcançar um grande número de pessoas ávidas por entender o assunto.
Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração a fonte do relato, ou seja, a Bíblia. Muitos pesquisadores erram ao tentar interpretá-la sem levar em consideração a sua origem semítica. A Bíblia é uma coleção de livros orientais e bem antigos. Para compreendê-la é necessário pensar ou tentar pensar como um oriental. O Dr. William Shea (ex-diretor associado do Biblical Research Institute em Silver Spring, Maryland, professor de teologia com doutorado em Medicina e em estudos do Oriente Médio) afirma: “No pensamento moderno europeu-ocidental, nós raciocinamos da causa para o efeito. Coletamos todos os dados e depois os sintetizamos em uma hipótese. Finalmente refinamos essa hipótese até se tornar uma teoria. Este é o processo seguido pelo moderno método científico.
Mas os antigos não eram modernos e nem cientistas, mas computavam dados à sua própria maneira. Ao mesmo tempo em que eram capazes de registrar os fatos em ordem cronológica como fazemos, também utilizavam uma abordagem que envolvia o raciocínio do efeito para a causa” [William H. Shea, The Abundant Life Bilbe Amplifier (USA: Passific Press Publishing Association, 1996), 23.]
Leiamos o relato que se encontra em Gênesis capítulo quatro:
“Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta concebeu e deu à luz a Caim; então, disse: Adquiri um varão com o auxílio do SENHOR. Depois, deu à luz a Abel, seu irmão. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador... Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou... E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim. És agora, pois, maldito por sobre a terra, cuja boca se abriu para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão. Quando lavrares o solo, não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra. Então, disse Caim ao SENHOR: É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua presença hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela terra; quem comigo se encontrar me matará... Retirou-se Caim da presença do SENHOR e habitou na terra de Node, ao oriente do Éden. E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho.” (Versículos 1, 2, 8, 10-14, 16 e 17) [Salvo indicação contrária, todas as referências bíblicas citadas neste trabalho são da Edição Almeida Revista e Atualizada no Brasil (ARA), Sociedade Bíblica do Brasil ed., (São Paulo: Bíblia Online, 2002), 3.0, 1CD-Rom.]
Um fato notório nos relatos bíblicos é o lapso de tempo que pode transcorrer entre um versículo e outro. Com muita frequência, os autores omitem vários anos de fatos quando esses não são relevantes para eles, ou quando não constituem o cerne do assunto tratado. Esse fenômeno pode ser visto na abordagem da vida de Moisés em Êxodo 2:9 a 11.
“Então, lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino e cria-mo; pagar-te-ei o teu salário. A mulher tomou o menino e o criou. Sendo o menino já grande, ela o trouxe à filha de Faraó, da qual passou ele a ser filho. Esta lhe chamou Moisés e disse: Porque das águas o tirei. Naqueles dias, sendo Moisés já homem, saiu a seus irmãos e viu os seus labores penosos; e viu que certo egípcio espancava um hebreu, um do seu povo.”
Toda a passagem da vida de Moisés no Egito é omitida para salientar o que parecia ser mais relevante aos olhos do narrador.
Quando Lucas discorre sobre a vida de Jesus Cristo no seu Evangelho, também usa dessa modalidade. No capítulo dois ele aborda as circunstancias do nascimento de Jesus e no capítulo três passa a narrar o início do Seu ministério, omitindo os anos que transcorrem entre os doze e os trinta anos de idade. O mesmo acontece com os outros evangelistas. Essa moldura de apresentação dos fatos pelos escritores bíblicos pode sugerir um grande intervalo de tempo entre o assassinato de Abel e o casamento de Caim.
Há ainda outro fator preponderante na interpretação desse episódio da história de Caim. Nos tempos bíblicos as mulheres não eram mencionadas nas listas de genealogias, o que leva a supor que Adão e Eva poderiam ter concebido filhas entre o nascimento de Caim e Abel (Gênesis 5:4), e possivelmente o primeiro já fosse casado quando matou seu irmão, pois o texto não diz que ele se casara depois do crime, mas que coabitou com sua mulher depois de mudar-se para a terra de Node: “Retirou-se Caim da presença do SENHOR e habitou na terra de Node, ao oriente do Éden. E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu a luz a Enoque, o nome de seu filho.”
“Sem dúvida, quando Caim saiu da presença do Senhor, foi acompanhado de uma irmã simpatizante. De acordo com Gên. 5:4, Adão teve filhos e filhas. Naquele tempo da história humana era correto e natural se casar com irmã. Gên. 4:17 – 24 nomeia as gerações de Caim como segue: Adão, Caim, Enoc, Irad, Mehujael, Methusael e Lamec, que teve três filhos: Jabal, Jubal e Tubalcaim” [Frank Lewis Marsh, Estudos Sobre Criacionismo (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira), 287, 288.]
O doutor Adam Clarke faz um interessante cálculo para chegar ao número de pessoas que existiam na Terra quando Caim cometeu o primeiro crime da história humana. Segundo ele, a morte de Abel tomou lugar no centésimo vigésimo oitavo (ou nono) ano do mundo. Supondo que Adão e Eva não tiveram outros filhos além de Abel e Caim no ano 128 do mundo, embora tivessem filhas casadas com estes filhos, seus descendentes comporiam um considerável número. Supondo ainda que houvessem casado no nonagésimo ano do mundo, poderiam facilmente cada casal ter tido oito filhos, alguns do sexo masculino e outros do sexo feminino, no vigésimo quinto ano. No quinquagésimo ano poderia ter procedido deles 64 pessoas de uma linhagem direta. No septuagésimo quarto ano haveria 512. No nonagésimo oitavo ano, 4096. No centésimo, vigésimo segundo ano, eles somariam 32768 pessoas. Se a esses somarmos os outros descendentes de Caim e Abel, seus filhos e seus netos, teremos de acordo com o cálculo acima, no ano cento e vinte e oito, 421164 homens adultos e capazes, sem contar as mulheres ou velhos e jovens de dezessete anos para baixo.
No entanto, este cálculo pode ser discutido, tendo em vista que não há evidência de que os patriarcas antediluvianos tivessem filhos antes dos 65 anos de idade. Por isso, partindo do pressuposto que Adão aos cento e trinta anos de idade tivesse cento e trinta filhos, o que é bem possível, e cada um desses filhos de 65 anos de idade, um filho em cada ano sucessivo, o total no ano 130 da existência do mundo, somaria 1219 pessoas; um número suficiente para gerar várias vilas e para excitar a apreensão de Caim quanto a um suposto vingador [Adam Clarke, A Commentary and Critical Notes (New York, USA: Lane and Scott, 1847), I:59].
Existe ainda outra maneira de se chegar a um número aproximado de pessoas sobre a Terra por ocasião do casamento de Caim. “Se Abel morreu em o ano 125, e Adão e Eva tiveram filhos antes desta data, mesmo na hipótese de o primeiro filho nascer quando o primitivo casal tinha 65 anos de idade, haveria uma possível família de 130 pessoas da primeira geração de Adão e Eva. E, se estes tiveram filhos, principalmente com a idade de 21 anos, a população do mundo ao fim de 130 anos poderia ter sido 500.000. Portanto, não há mistério nem no casamento, nem na cidade de Caim, nem no seu medo de ser morto por outros homens” [W. C. Taylor, citado em Ebenézer Soares Ferreira, Dificuldades Bíblicas e Outros Estudos (Campos, RJ), 2:28.]
Conclusão
Se lermos o relato bíblico, tendo como pano de fundo a maneira oriental de pensar, não poderemos atribuir um número pequeno de habitantes sobre a Terra por ocasião do assassinato de Abel e nem duvidar da veracidade da narrativa.
Todo pesquisador sério, antes de tirar suas conclusões, fará um acurado esforço para desvendar o que está por trás das aparências ao analisar documentos escritos em um contexto deferente do que conhecemos. Assim fazem os paleontólogos, arqueólogos e historiadores de renome.
A Bíblia é um livro fascinante e ao alcance de todos. Suas páginas têm trazido motivação e ânimo para milhões de pessoas ao redor do mundo. Vale à pena descortinar os mistérios que se desdobram perante os nossos olhos à medida que a pesquisamos com seriedade.
Pr. Josimir Albino do Nascimento, Doutor em Teologia Pastoral.
Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração a fonte do relato, ou seja, a Bíblia. Muitos pesquisadores erram ao tentar interpretá-la sem levar em consideração a sua origem semítica. A Bíblia é uma coleção de livros orientais e bem antigos. Para compreendê-la é necessário pensar ou tentar pensar como um oriental. O Dr. William Shea (ex-diretor associado do Biblical Research Institute em Silver Spring, Maryland, professor de teologia com doutorado em Medicina e em estudos do Oriente Médio) afirma: “No pensamento moderno europeu-ocidental, nós raciocinamos da causa para o efeito. Coletamos todos os dados e depois os sintetizamos em uma hipótese. Finalmente refinamos essa hipótese até se tornar uma teoria. Este é o processo seguido pelo moderno método científico.
Mas os antigos não eram modernos e nem cientistas, mas computavam dados à sua própria maneira. Ao mesmo tempo em que eram capazes de registrar os fatos em ordem cronológica como fazemos, também utilizavam uma abordagem que envolvia o raciocínio do efeito para a causa” [William H. Shea, The Abundant Life Bilbe Amplifier (USA: Passific Press Publishing Association, 1996), 23.]
Leiamos o relato que se encontra em Gênesis capítulo quatro:
“Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta concebeu e deu à luz a Caim; então, disse: Adquiri um varão com o auxílio do SENHOR. Depois, deu à luz a Abel, seu irmão. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador... Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou... E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim. És agora, pois, maldito por sobre a terra, cuja boca se abriu para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão. Quando lavrares o solo, não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra. Então, disse Caim ao SENHOR: É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua presença hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela terra; quem comigo se encontrar me matará... Retirou-se Caim da presença do SENHOR e habitou na terra de Node, ao oriente do Éden. E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho.” (Versículos 1, 2, 8, 10-14, 16 e 17) [Salvo indicação contrária, todas as referências bíblicas citadas neste trabalho são da Edição Almeida Revista e Atualizada no Brasil (ARA), Sociedade Bíblica do Brasil ed., (São Paulo: Bíblia Online, 2002), 3.0, 1CD-Rom.]
Um fato notório nos relatos bíblicos é o lapso de tempo que pode transcorrer entre um versículo e outro. Com muita frequência, os autores omitem vários anos de fatos quando esses não são relevantes para eles, ou quando não constituem o cerne do assunto tratado. Esse fenômeno pode ser visto na abordagem da vida de Moisés em Êxodo 2:9 a 11.
“Então, lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino e cria-mo; pagar-te-ei o teu salário. A mulher tomou o menino e o criou. Sendo o menino já grande, ela o trouxe à filha de Faraó, da qual passou ele a ser filho. Esta lhe chamou Moisés e disse: Porque das águas o tirei. Naqueles dias, sendo Moisés já homem, saiu a seus irmãos e viu os seus labores penosos; e viu que certo egípcio espancava um hebreu, um do seu povo.”
Toda a passagem da vida de Moisés no Egito é omitida para salientar o que parecia ser mais relevante aos olhos do narrador.
Quando Lucas discorre sobre a vida de Jesus Cristo no seu Evangelho, também usa dessa modalidade. No capítulo dois ele aborda as circunstancias do nascimento de Jesus e no capítulo três passa a narrar o início do Seu ministério, omitindo os anos que transcorrem entre os doze e os trinta anos de idade. O mesmo acontece com os outros evangelistas. Essa moldura de apresentação dos fatos pelos escritores bíblicos pode sugerir um grande intervalo de tempo entre o assassinato de Abel e o casamento de Caim.
Há ainda outro fator preponderante na interpretação desse episódio da história de Caim. Nos tempos bíblicos as mulheres não eram mencionadas nas listas de genealogias, o que leva a supor que Adão e Eva poderiam ter concebido filhas entre o nascimento de Caim e Abel (Gênesis 5:4), e possivelmente o primeiro já fosse casado quando matou seu irmão, pois o texto não diz que ele se casara depois do crime, mas que coabitou com sua mulher depois de mudar-se para a terra de Node: “Retirou-se Caim da presença do SENHOR e habitou na terra de Node, ao oriente do Éden. E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu a luz a Enoque, o nome de seu filho.”
“Sem dúvida, quando Caim saiu da presença do Senhor, foi acompanhado de uma irmã simpatizante. De acordo com Gên. 5:4, Adão teve filhos e filhas. Naquele tempo da história humana era correto e natural se casar com irmã. Gên. 4:17 – 24 nomeia as gerações de Caim como segue: Adão, Caim, Enoc, Irad, Mehujael, Methusael e Lamec, que teve três filhos: Jabal, Jubal e Tubalcaim” [Frank Lewis Marsh, Estudos Sobre Criacionismo (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira), 287, 288.]
O doutor Adam Clarke faz um interessante cálculo para chegar ao número de pessoas que existiam na Terra quando Caim cometeu o primeiro crime da história humana. Segundo ele, a morte de Abel tomou lugar no centésimo vigésimo oitavo (ou nono) ano do mundo. Supondo que Adão e Eva não tiveram outros filhos além de Abel e Caim no ano 128 do mundo, embora tivessem filhas casadas com estes filhos, seus descendentes comporiam um considerável número. Supondo ainda que houvessem casado no nonagésimo ano do mundo, poderiam facilmente cada casal ter tido oito filhos, alguns do sexo masculino e outros do sexo feminino, no vigésimo quinto ano. No quinquagésimo ano poderia ter procedido deles 64 pessoas de uma linhagem direta. No septuagésimo quarto ano haveria 512. No nonagésimo oitavo ano, 4096. No centésimo, vigésimo segundo ano, eles somariam 32768 pessoas. Se a esses somarmos os outros descendentes de Caim e Abel, seus filhos e seus netos, teremos de acordo com o cálculo acima, no ano cento e vinte e oito, 421164 homens adultos e capazes, sem contar as mulheres ou velhos e jovens de dezessete anos para baixo.
No entanto, este cálculo pode ser discutido, tendo em vista que não há evidência de que os patriarcas antediluvianos tivessem filhos antes dos 65 anos de idade. Por isso, partindo do pressuposto que Adão aos cento e trinta anos de idade tivesse cento e trinta filhos, o que é bem possível, e cada um desses filhos de 65 anos de idade, um filho em cada ano sucessivo, o total no ano 130 da existência do mundo, somaria 1219 pessoas; um número suficiente para gerar várias vilas e para excitar a apreensão de Caim quanto a um suposto vingador [Adam Clarke, A Commentary and Critical Notes (New York, USA: Lane and Scott, 1847), I:59].
Existe ainda outra maneira de se chegar a um número aproximado de pessoas sobre a Terra por ocasião do casamento de Caim. “Se Abel morreu em o ano 125, e Adão e Eva tiveram filhos antes desta data, mesmo na hipótese de o primeiro filho nascer quando o primitivo casal tinha 65 anos de idade, haveria uma possível família de 130 pessoas da primeira geração de Adão e Eva. E, se estes tiveram filhos, principalmente com a idade de 21 anos, a população do mundo ao fim de 130 anos poderia ter sido 500.000. Portanto, não há mistério nem no casamento, nem na cidade de Caim, nem no seu medo de ser morto por outros homens” [W. C. Taylor, citado em Ebenézer Soares Ferreira, Dificuldades Bíblicas e Outros Estudos (Campos, RJ), 2:28.]
Conclusão
Se lermos o relato bíblico, tendo como pano de fundo a maneira oriental de pensar, não poderemos atribuir um número pequeno de habitantes sobre a Terra por ocasião do assassinato de Abel e nem duvidar da veracidade da narrativa.
Todo pesquisador sério, antes de tirar suas conclusões, fará um acurado esforço para desvendar o que está por trás das aparências ao analisar documentos escritos em um contexto deferente do que conhecemos. Assim fazem os paleontólogos, arqueólogos e historiadores de renome.
A Bíblia é um livro fascinante e ao alcance de todos. Suas páginas têm trazido motivação e ânimo para milhões de pessoas ao redor do mundo. Vale à pena descortinar os mistérios que se desdobram perante os nossos olhos à medida que a pesquisamos com seriedade.
Pr. Josimir Albino do Nascimento, Doutor em Teologia Pastoral.