INTRODUÇÃO
I - O DÍZIMO NO
ANTIGO TESTAMENTO
a)
Na Era Patriarcal
A
prática de devolução do dízimo não tem origem humana, mas foi ordenada pelo
próprio Deus ao Seu povo. Ela faz parte do concerto salvífico, por isso, apenas
aqueles que estão obrigados pelo pacto ou aliança com Deus devem dizimar, ainda
que Deus o receba de quem O quiser devolver. Esse fato fica bem claro ao se
considerar a primeira menção da prática na Bíblia, no encontro de Abrão com Melquisedeque,
“rei de Salém” e “sacerdote do Deus Altíssimo” (Gn 14:17-20).
A devolução
foi feita à pessoa certa, um sacerdote do Deus Altíssimo, no momento em que
este foi assim reconhecido, como uma forma de tributar a Deus os méritos pela
vitória (v. 20) e também por ser “Deus Altíssimo, o que possui os céus e a
terra” (v. 22). Jacó, neto de Abrão, também devolveu o dízimo como
reconhecimento de que tudo que possuía havia sido outorgado por Deus (Gn
28:22).
b)
Depois da Organização Política de Israel
Depois da
saída do Egito e da organização do povo de Israel, a tribo de Levi foi
encarregada de prestar serviços relacionados à tenda da congregação (Nm 18:21).
As demais tribos poderiam se engajar em qualquer atividade lícita, como criar
gado ou plantar, mas a tribo de Levi cuidaria dos “negócios” divinos. O sistema
de dízimos foi a forma estabelecida por Deus para o sustento dessa tribo que
deveria se dedicar integralmente às atividades litúrgicas (Nm 18:20-24).
Muito depois
da era mosaica, no tempo de Malaquias (fins do século VI e início do século V
a. C.), o dízimo continuava sendo usado para a manutenção da “casa do Tesouro”
(Ml 3:10). Portanto, com o mesmo objetivo da época em que foi instituído o
sistema levítico.
Dessa
forma, em relação ao Antigo Testamento, não há o que discutir. O dízimo foi
estabelecido como parte do pacto entre Deus e o Seu povo escolhido. A prática é
encontrada ao longo de todo o período da velha dispensação.
Como Deus Encara
o Sistema do Dízimo
O ato de
dizimar é baseado num princípio fundamental, como expresso pelo salmista, “ao
SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele
habitam. Fundou-a ele sobre os mares e sobre
as correntes a estabeleceu” (Sl 24:1-2). Quando Deus colocou o homem no jardim do
Éden, permitiu que ele comesse de qualquer fruto, mas, vetou o fruto de uma das
árvores. Daquela, o homem não poderia lançar mão (Gn 2:15-17). Ao olharmos o
pano de fundo dessa ordem, percebemos o princípio do sistema de dízimos. O
Senhor nos permite lançarmos mão de nove décimos, mas, um décimo Lhe pertence!
Foi por isso
que ordenou ao seu povo no passado, “também todas as dízimas da terra, tanto
dos cereais do campo como dos frutos das árvores, são do SENHOR; santas são ao
SENHOR. Se alguém, das suas dízimas, quiser resgatar alguma coisa, acrescentará
a sua quinta parte sobre ela. No tocante às dízimas do gado e do rebanho, de
tudo o que passar debaixo do bordão do pastor, o dízimo será santo ao SENHOR
(Lv 27:30-33).
Enquanto as
ofertas estão relacionadas ao sacrifício de Jesus, pois, o sistema de ofertas
só entrou em operação depois do pecado: “Fez o SENHOR Deus vestimenta de peles
para Adão e sua mulher e os vestiu” (Gn 3:21). A morte daquele primeiro
cordeiro foi uma provisão divina para que Adão e sua mulher não pagassem a pena
pela transgressão exigida pela lei (Rm 6:23; Ap 13:8). Aquele cordeiro foi uma
figura ou sombra tipológica do “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”
(Jo 1:29).
Portanto, ao
dizimarmos, reconhecemos a soberania divina. Ele é o nosso Criador, por isso,
devemos horná-Lo. Mas, quando damos as nossas ofertas, estamos ao mesmo tempo,
agradecendo a maravilhosa provisão divina em nosso favor, Jesus Cristo, que
rendeu a Sua preciosa vida por nós, a fim de não perecermos eternamente (Jo
3:16).
II - O DÍZIMO NO
NOVO TESTAMENTO
O Novo
Testamento não aboliu o sistema de dízimos. Quando Jesus fundou a Igreja,
também transferiu as prerrogativas do antigo povo eleito para o povo da nova
aliança. O Senhor sempre teve um remanescente, depositário da Sua aliança e
fiel ao Seu concerto, como pondera LaRondelle:
Paulo continua a teologia de Hebreus de que
"o remanescente é que será salvo" (Rom. 9:27; citando Isa. 10:22-23
onde o remanescente de Israel retorna "ao Deus forte", verso 21). A
mensagem de Paulo consiste em que Deus é fiel à Sua palavra porque mais uma vez
proveu graciosamente de Israel um remanescente de fé, a igreja apostólica,
através do poder criador de Sua promessa. "Assim, pois, também agora, no
tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça"
(Romanos 11:5). Os herdeiros legítimos do concerto mosaico e abraâmico não são
os descendentes descrentes e naturais de Abraão ("Israel segundo a
carne", 1 Coríntios 10:18), mas exclusivamente os seus filhos espirituais,
aqueles que pertencem a Cristo
[Hans k. LaRondelle, O Israel de Deus na
profecia: princípios de interpretação profética, trad. Josimir Albino do
Nascimento (Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitária Adventista, 2002), 150.].
Paulo defende
a aplicação do sistema de dízimos para a manutenção daqueles que se dedicam
integralmente à pregação do evangelho (1Co 9:6-14), embora tenha aberto mão
desse direito (1Co 9:12, 15), pelo menos sobre a igreja de Corinto (2Co 11:7). Conforme
argumenta Elmir Santos, “por causa da contestação do seu apostolado (2Co 11:5,
6) e para não dar ocasião aos falsos apóstolos (2Co 11:8 a 13), no entanto,
usou desse direito aceitando salário de outras igrejas (2Co 11:8)” [Elmir P.
Santos, Segundo dízimo: ampliando a visão sobre a oferta (Juiz de Fora,
MG: Gráfica e Editora Juizforana, 2009), 20.]
O apóstolo
defende a manutenção do ministério com base numa injunção do Antigo Testamento,
na sua carta a Timóteo (1Tm 5:17-18), para que o ministro não precise se
envolver em “negócios desta vida” (2Tm 2:4). Ou seja, de acordo com o Novo
Testamento, o pastor deve se dedicar exclusivamente ao evangelho, nos moldes da
antiga tribo de Levi, cuja atividade se concentrava em cuidar dos interesses de
Deus “pastoreando” o Seu povo, enquanto, esse mesmo povo, lhe garantia o
sustento material. Contudo, o exercício das atividades ministeriais deve ser
efetuado “espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa
vontade” (1Pe 5:2).
III - JESUS E O
DÍZIMO
O
Senhor Jesus afirmou em Mateus 5:17-20, “Não penseis que vim revogar a Lei ou
os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos
digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei,
até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto
que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino
dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado
grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder
em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.”
Em relação ao
sistema de dízimos, Ele deixou claro no Seu diálogo com os líderes religiosos:
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã,
do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da
Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas,
sem omitir aquelas!” (Mt 23:23 – grifo nosso).
Jesus era um
Mestre ou Rabi, e como de costume, sustentado pelos seus discípulos. Esse fato
é facilmente observado ao lermos Lucas 8:1-3, “Aconteceu, depois disto, que
andava Jesus de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o
evangelho do reino de Deus, e os doze iam com ele, e também algumas mulheres
que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada
Madalena, da qual saíram sete demônios; e Joana, mulher de Cuza, procurador de
Herodes, Suzana e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus
bens” (grifo nosso).
IV
– COMENTÁRIOS DE ELLEN G. WHITE SOBRE O DÍZIMO
a)
Sua
irrevogabilidade
Usa-se a mesma
linguagem quanto ao sábado que se usa na lei do dízimo: "O sétimo dia é o
sábado do Senhor, teu Deus." Êxo. 20:10. Não tem o homem o direito nem
poder para substituir o sétimo dia pelo primeiro. Poderá pretender fazê-lo,
"todavia, o fundamento de Deus fica firme" II Tim. 2:19.
Os costumes e
ensinos dos homens não diminuirão as exigências da lei divina. Deus santificou
o sétimo dia. Essa porção específica de tempo, separada pelo próprio Deus para
culto religioso, continua hoje tão sagrada como quando pela primeira vez foi
santificada pelo nosso Criador.
De igual
maneira, o dízimo de nossas rendas "santo é ao Senhor". O Novo
Testamento não dá novamente a lei do dízimo, como também não dá a do sábado;
pois pressupõe a validade de ambos, e explica sua profunda importância
espiritual. ...
Enquanto nós
como um povo estamos procurando dar fielmente a Deus o tempo que Ele conservou
como Seu, não Lhe daremos também nós aquela parte de nossos meios que Ele
exige? [Ellen G. White, Conselho Sobre Mordomia (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, s.d.), 66, 1CD-Rom].
b)
Sua Finalidade
De acordo com Ellen G. White, os propósitos do
sistema do dízimo compreendem:
1. O “bem do homem” [Ellen G. White, Conselho sobre mordomia, 180]
2.
Para despojar do egoísmo [Ibid., 24-26]
3.
Desenvolver o espírito de gratidão [Idem, Nos
lugares celestiais, MM 1968, 24 de outubro, 304.]
4.
Porque Deus “reservou-o para Si, para ser empregado
em fins religiosos” [Idem, Conselho sobre mordomia, 6]
5.
É uma questão de honestidade [Idem, Educação,
139]
6.
Uma forma de reconhecer a Deus como “Doador de todas
as coisas” [Idem, A fé pela qual eu vivo, MM 1959, 26 de agosto, 244.]
7.
“para levar avante a obra do evangelho” [Ibid.].
c)
Advertência aos Pastores
Nomeie a
igreja pastores ou anciãos que sejam dedicados ao Senhor Jesus, e cuidem esses
homens de que se escolham oficiais que se encarreguem fielmente do trabalho de
recolher o dízimo. Se os pastores não se demonstrarem aptos para o cargo, se
deixarem de apresentar à igreja a importância de devolver ao Senhor o que Lhe
pertence, se não cuidarem de que os oficiais que estão sob suas ordens sejam
fiéis, e que o dízimo seja trazido, estão em perigo. Estão negligenciando uma
questão que envolve uma bênção ou maldição para a igreja. Devem ser afastados
de sua responsabilidade, e outros homens devem ser experimentados e provados.
Devem os
mensageiros do Senhor cuidar de que os membros da igreja Lhe cumpram fielmente
as ordens. Deus diz que deve haver mantimento em Sua casa, e se se lidar
indevidamente com o dinheiro do tesouro, se se considerar direito as pessoas
usarem o dízimo como quiserem, o Senhor não poderá abençoar. Ele não pode
suster os que pensam poder fazer o que querem com o que Lhe pertence (Ellen G.
White, Conselho Sobre Mordomia, 106).
Sobre o
caráter da benevolência sistemática, Ellen G. White faz um comentário
auspicioso ao dizer: “é belo em sua simplicidade e equidade. Todos podem dele
lançar mão com fé e ânimo, pois é divino em sua origem. Nele se aliam a
simplicidade e a utilidade, e não exige profundidade de saber o compreendê-lo e
executá-lo” [Ibid.].
CONCLUSÃO
O
dízimo não é para ser devolvido por aqueles que estão fora da aliança, a não
ser que queiram. Deus exige a prática apenas do Seu povo escolhido, os que
fizeram um pacto de amor com Ele. Assim como era exigido do povo de Israel o
sustento da tribo de Levi, tendo em vista que esta deveria cuidar da liturgia e
dos negócios divinos para que todo o povo de Deus fosse assistido, assim
também, os “que pregam o evangelho que vivam do evangelho” (1Co 9:14). Mesmo
Jesus viveu da provisão continuada no Novo Testamento (Lc 8:1-3), e depois
Dele, os apóstolos, como exemplificação e paradigma para toda a dispensação
neotestamentária.
No
entanto, aqueles que vivem do evangelho devem ser homens consagrados, dedicados
e honestos, não movidos por “sórdida ganância, mas de boa vontade” (1Pe 5:2). O
sistema foi estabelecido para o bem do homem, a fim de desenvolver o espírito
de gratidão e louvor, para que Deus seja reconhecido como soberano, para provar
a honestidade do crente e despojá-lo do egoísmo.
Enquanto a
devolução do dízimo é um ato que expressa gratidão pela Criação divina, a
oferta é um ato de reconhecimento pelo que Cristo fez na cruz do Calvário,
doando-Se inteiramente a favor do ser humano, a fim de lhe outorgar a salvação
e ainda prover um exemplo magnânimo de abnegação.
Os pastores e
anciãos que são leais ao seu mandado devem instruir a igreja quanto à devolução
daquilo que pertence ao Senhor, do contrário, estarão negligenciando um dever
da maior importância. Dessa forma, também provando estar desqualificados para a
função.
O
sistema é simples e belo, e todo o que liberalmente devolve o dízimo cresce
como cristão e como pessoa humana, pois, ele humaniza, desenvolve a abnegação,
despoja o homem de si mesmo e faz pensar em Deus e na Sua grande obra de
evangelizar o mundo.
Pr. Josimir Albino do Nascimento, Doutor em Teologia
Pastoral